segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A vassoura final

este é o lixo orgânico do Terra Madre

e dentro com restos de comida, pratos, copos, guardanapos. tudo feito com fibra de milho. biodegradável!

Esta é uma das coisas mais legais que teve pra mim no Terra Madre. O material era todo biodegradável. Não só isso, todo o evento foi pensado para produzir um mínimo de impacto ambiental. As mesas e cadeiras feitas de papelão eram sensacionais!

Mas as críticas também são necessárias...o almoço dos voluntários e delegados estava longe de ser slow. Todos os dias a mesma comida, com uma carinha sem vida e sem calor... Show mesmo foi a Regina Tchelly que juntou um pouquinho de cada ingrediente brasileiro, colocou seu uniforme de chef e foi lá nos bastidores cozinhar. Neste dia passamos bem com arroz vermelho feito com leite e queijo brasileiro e farofa de licurí e baru!

Difícil também é aceitar o clima de shopping center no sábado a tarde que acaba virando o evento. Numa certa hora é duro se locomover... E o cansaço só é vencido pela vontade de ver o mundo!

Mas o mais legal mesmo é com certeza o esforço do movimento para trazer os produtores e produtos de todo mundo. Os produtos tiveram que ser enviados antes, para serem analisados pelo controle da Comunidade Européia, e depois o Slow Food importou todos eles para estarem disponíveis no Terra Madre. Claro que vários tiveram problemas, e muitos mels ficaram presos pelas alfândegas européias... Cobrir a viagem dos produtores justifica o preço alto da entrada do evento. Não tem preço a alegria da delegação brasileira, com índios do Amazonas, agricultores da Bahia e Goiás, produtores de queijo de Minas e Ceará, que ficaram num hotel nos pés das montanhas e tiveram o privilégio de verem nevar! Um breve "causo" da Dona Maria Perpétua, catadora de umbú do sertão da Bahia. A família era contra a vinda dela, diziam que ela não sabia ler, que ia ficar perdida, que não ia se comunicar. Pois bem, Dona Perpétua deu seu recado, mostrava o flyer e dizia - Umbú, depois mostrava o vidro com os umbus em conserva, por último esticava a colherzinha com um pouco do doce para a pessoa provar. Sucesso total. Fez vários amigos.

Dona Maria Perpétua fez amizade com essa moça da Líbia. Em que língua? A do mundo!


aqui as mesas e cadeiras de papelão

e as premissas do evento a baixo impacto ambiental






sábado, 27 de outubro de 2012

Semente na Terra

Clara, com os olhos vendados, pega um pistache do copinho oferecido pelo animador. Primeiro brinca com a castanha entre os dedos. Cheira. Diz aos colegas que é pequeno. Começa a experimentar, um pouco receosa. Faz uma careta. A animadora pergunta que coisa é. Clara não sabe dizer. Vem algumas dicas: tem um sorvete famoso feito com isto. A cor é um pouco verde, um pouco avermelhada em alguns lugares. Mesmo sem gostar muito ela prova outro, ri, diz que é um pinhole. Não adiantou, Clara não descobriu, nem com os gritinhos da sua equipe que tentavam ajudar. A equipe do "Galo Negro do vale de Vara" não andou. É a vez da equipe "Galinha do ovo azul do Chile". Com todas as experiências dos sentidos possíveis o jogo desenrola num tabuleiro gigante, em meio aos stands do Terra Madre.



Na mesa ao lado, um jogo para dois: o cara a cara cultural. Cada jogador escolhe um personagem que o outro precisa adivinhar. As perguntas vão desde se o cara é dos tempos atuais ou antigo e se ele come com a mão ou sentado no chão. Continente, alimentos tradicionais, utensílios utilizados. Cada personagem vem com todas essas dicas ali. Enquanto você tenta descobrir o personagem do outro aprende mais do mundo! Fotografei todas as cartas, agora é só se inspirar (vou postar nas fotos)! E não é coisa de criança não, eu por exemplo não sabia que a Mauritânia era na África...Tem muito pra aprender ;)


As experiências de educação do gosto não têm fim e durante todo o dia crianças e adolescentes são recebidos para brincadeiras, jogos, teatro e claro, cozinhar! Abaixo eles preparam um sal com ervas. Primeiro passo é descobrir as ervas. Ver, pegar, cheirar, experimentar. Vale tudo para aproximar a meninada daquilo que comem!

 que erva é essa, Mattia?

obs: Clara é na verdade Chiara (italiano)


sexta-feira, 26 de outubro de 2012

No centro da roda o alimento



Pokot é uma tribo africana no Kênia. É uma das 54 tribos oficiais do país. São por natureza pastores. Por isso mesmo não necessitam de casas duráveis e fixas. Constroem com materiais disponíveis da natureza e estão em constante contato com os animais. Vacas, cabras, galinhas, tudo ali em volta de casa. Têm na base da alimentação o leite, mais especificamente o iogurte. Mas não um simples iogurte como conhecemos, mas um produto especial, que beira na sua produção o ritualístico. Por isso mesmo está sendo resgatado como cultura dessa população. Começa com a produção de uma cinza de uma madeira específica. Uma árvore nativa. Um pouco desta cinza vai dentro de uma cabaça comprida e é ali mesmo que se vai tirar o leite. Ou no máximo numa vasilha de barro. O melhor é direto da teta da vaca pra cabaça. Depois é esperar 2 ou 3 dias até o iogurte "virar". A consistência e o sabor são únicos. A cor também. Uma experiência que precisa ser vivida para ser entendida.

Gianni é um jovem italiano apaixonado com plantas, horta, todo o mundo da botânica. Conhece tanto do assunto que alguns anos atrás começou um blog, com dicas e espaço para troca de experiências. Daí veio a idéia de criar um site interativo para os iniciantes (e também os experientes) no mundo do cultivo. O Grow the Planet é o facebook do mundo orgânico! É super simples, você se cadastra e depois com seu login e senha começa a interagir. A interface é simples, accessível, bonita. Começa escolhendo onde será sua horta, na terra ou no vaso, num terraço ou num terreno e por aí vai. Depois você escolhe as variedades, vem separado por estação, e se num tá na hora daquela abobrinha que você tá sonhando em ter em casa o site te avisa. Mas você tem sempre o direito de ser cabeça dura e tentar, quem sabe não funciona...Depois que a semente já na terra começa o diário de cuidados, é só seguir as dicas e na dúvida escreva seus problemas, outros internautas podem te ajudar! É genial, tá tudo ali, desde onde encontrar as sementes até as receitas que você pode fazer. E a construção é conjunta e participativa. Gianni disse que a novidade será a versão em português.

Regina é daquelas cariocas "arretadas", nascida e criada na favela do Leme, trabalha nas redondezas como empregada doméstica. Tinha vontade de fazer alguma coisa pela sua comunidade. Juntou sua mão boa de cozinheira com a necessidade de se aproveitar melhor os alimentos e criou o projeto Favela Orgânica. Lá eles fazem o ciclo completo da comida: da horta ao composto, passando pelas receitas que utilizam os alimentos integralmente. Cascas de frutas e verduras, talos e partes que geralmente são descartadas na cozinha viram receitas pra lá de especiais nas mãos dessa moça. A alegria de Regina contamina, impossível ficar sério ou mal humorado perto de uma estrela que brilha assim, sem pretensões, só pelo prazer da vida. Fez mais amigos que qualquer outro. Em volta ao stand de sorvete italiano aglomerado de gente ela chega de fininho, chama o dono no canto começa a conversar e depois diz: minha amiga queria provar o sorvete! Menos de dois minutos depois estávamos com sorvete na mão, nada de bola tamanho degustação, potinho cheio, de quem tem moral. Ficou conhecida em toda a Terra Madre e reza a lenda que Carlo Petrini queria trazer ela para a Itália.

Ruslan é um dos produtores do queijo armênio tradicional conhecido como Mota. O menor país da ex União Soviética tem grande parte do seu território acima dos 1.000 metros de altitude, pastoreando criadores e cabras podem chegar a 3000 m. O queijo é feito de forma tradicional, quase primitiva. O leite não é nem aquecido, acabou de tirar, ainda morno, é colocado para coalhar. Todo o processo da produção do queijo dura em torno de 40 dias e depois disso ele é posto dentro de um recipiente de barro para ser conservado. Esta embalagem é das mais antigas existentes, usar a ânfora para guardar alimentos remonta a muito antes dos romanos, é a tradição atravessando séculos. Ela deve primeiro ser queimada e dentro ser untada com manteiga azeda. Pronto, depois do queijo ali dentro o negócio é fechar e pra isso cera de abelha. A produção é pequena, quase só para o consumo das famílias e assim será guardado por até 6 meses, no inverno, quando as cabras estão prenhas e não têm mais leite. Ganhou o prêmio Slow Pack para "Técnica de Embalagem Tradicional", por associar uma ideia antiga de conservação com uma embalagem prática e funcional. Enquanto outros vencedores eram representados por gerentes comerciais engravatados e com discursos prontos, Ruslan foi lá, agradeceu em armênio e com seu jeitão de produtor saiu de fininho...

No centro o alimento como protagonista e agregador de pessoas e culturas.

fotos do arquivo da Fundação Slow Food

obs: Regina Tchelly tá largando o emprego como empregada doméstica. Quer dedicar seu tempo ao projeto da Favela Orgânica. Se você quer ajudá-la ou quer convidá-la para um curso ou contratar um buffet ecológico, é só escrever pra: favelaorganica@gmail.com

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Terra Tupiniquim Madre

Sabe quando você vê e experimenta coisas que gostaria que um monte de gente conhecesse também? Pois é, foi assim meu primeiro dia de Terra Madre. Este evento é imperdível pra todo mundo que fala ou se interessa por agricultura, alimentação, ecologia, movimentos sociais e deve ter muito mais áreas de interesses que seria simplista da minha parte fechar nestas descritas.

Já vale a pena só para conhecer os produtos brasileiros. Tá pensando que é brincadeira? Não sei você, mas eu nunca tinha visto o arroz vermelho da Paraíba, a primeira variedade introduzida no Brasil, a três séculos atrás e que até hoje é cultivado da mesma maneira. Nada de melhoramentos perigosos da Embrapa...

Ou o verdadeiro guaraná do Amazonas. Não é aquele em pó ou em xarope. Um bastão preto, defumado, que os índios ralam e misturam com a água para fazer a bebida. Nunca tinha visto nada parecido com aquilo.

Os queijos feitos com leite cru também estavam muito bem representados: Minas, Santa Catarina, Ceará, Sergipe. Um presente para os ouvidos encontrar um mineiro da Serra da Canastra! Hoje era a conferência sobre os queijos tropicais, mas a grande troca de conhecimentos aconteceu mesmo foi na volta que fizemos por "todo o mundo" com estes produtores.

Olha o Brasil trocando figurinha com o queijo francês!

Com o queijo da República Checa...

O queijo suíço de 5 anos foi o ponto forte da nossa pesquisa. Descobrimos várias similaridades. Gostamos tanto que os produtores nos deram até o boné da fazenda.

Nas andanças descobrimos que o mineiro tá conhecido... Luciano, produtor da Serra da Canastra

Este primeiro dia tinha sabor de Brasil e depois do trabalho uma visita ao Teatro del Gusto: Que maravilha, quanta fruta hoje! Três super chefs brasileiras - Neide Rigo, Mara Salles e Ana Soares, apresentando o pequi, jatobá, umbu e tantas outras frutas do Brasil. Até caipirinha rolou. Como disse meu amigo Marcelo Podestá foi de chorar, é a primeira vez que vejo uma chef de cozinha falar de receitas com jatobá. Primeiro provamos com mel de jataí, as famosas abelhinhas brasileiras e depois a surpresa abaixo: merengue com jatobá. A originalidade brasileira na apresentação deste doce fechou com chave de ouro o primeiro dia Terra Madre!

primeiro tava assim na mesa, o jatobá fechadinho...

e dentro a surpresa! show de bola!






quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Finalmente a bandeira! - Venezuela 1x0

Foi tudo muito mais rápido e confuso que eu podia imaginar. Quando cheguei ao evento quase todas as bandeiras e voluntários já estavam prontos, por pouco não fiquei sem entrar. É isso, o que primeiro me parecia uma presepada, na hora H era um sonho. Quando vi que não tinha mais país para acompanhar fiquei arrasada. Confesso. Um organizador se apiedou de mim (para alguma coisa serviu as caras que ensaiei) e convenceu uma senhora que já fez este trabalho várias vezes de trocar comigo. Roubei o doce da senhorinha, sem nenhuma vergonha, pronto falei. (mas depois ficamos amigas e ela entrou como delegada de Iemen - que não chegou a tempo).

E assim fui feliz, feliz, acompanhar um rapaz super jovem chamado Javier, da Venezuela! Ele faz um trabalho voluntário com os agricultores da região da sua cidade fazendo o link entre produtores e consumidores. São 25 voluntários, 100 cestas de verduras e produtos por semana e uma mudança na realidade da região. Trouxe para a Terra Madre batata preta, vermelha, e outras raízes e frutas que preciso ver amanhã, pois nunca ouvi falar.

Nada de bandeira do Brasil, mas vou seguir os conselhos de Lilian no outro post: abraçar a idéia de conhecer mais da Venezuela, da alimentação ao país, que Javier já me deu várias dicas de praias...

Cerimônia


Um pouco agora do evento de abertura, este sim cheio de emoção!

Foram selecionadas pessoas de importantes projetos para falar um pouco do seu trabalho e visão da alimentação, biodiversidade, política pública.

Entre o presidente da FAO, o brasileiro José Graciano da Silva, criador do projeto Fome Zero, ao "pop" Carlo Petrini, teve de tudo. E tudo emocionante e cheio de vida.

Mas, para mim, o ponto alto foram duas mulheres. Primeiro Vandana Shiva, uma indiana que luta a favor da conservação das sementes crioulas. Uma mulher que não tem medo de enfrentar interesses internacionais como o da Monsanto e de toda a indústria dos transgênicos. Foi ovacionada!

Depois uma japonesa, Yoko Sudo. Filha de agricultores da região de Fukushima, que contou um pouco de tudo que ocorreu na vida das pessoas, principalmente os agricultores, depois do vazamento da usina. Uma história de arrepiar. Começou dizendo que estava ali para lembrar a todo o mundo o perigo das usinas nucleares. E terminou fazendo um apelo a favor de tantas energias "limpas" que podem ser utilizadas.

Meu grito final poderia ser: Viva as mulheres! Mais detalhes de tudo que rolou no site do Terra Madre.

 Yoko Sudo - imagem do site Terra Madre

A bandeira - parte 2


lá vai o Brasil...


Pela manhã um novo ensaio da entrada das bandeiras. Ontem avisaram que hoje saberíamos que bandeira portamos oficialmente. Saí de casa cedo para garantir que estaria presente neste momento. Mas de novo não decidiram e vamos saber só antes da cerimônia, que é a noite.

São duas entradas de bandeira, uma à direita e a outra à esquerda do palco e já sei o lado que vou estar. A boa notícia é que a bandeira do Brasil é do mesmo lado (a do Butão também). O primeiro obstáculo foi vencido! Agora preciso ser a nona pessoa a ser chamada - claro que já contei quantas bandeiras são até a brasileira.

A novidade engraçada é que sou porta bandeira, mas quem vai portar a bandeira é o delegado convidado de cada país. Eu devo estar ali do lado, acompanhá-lo até o palco e depois que ele subir me virar com a bandeira em mãos. Dizem que devemos acenar quando se disser o nome do país que estamos acompanhando, mas estou achando estranho começar a abanar a mão empolgada se anunciam a Finlândia...





terça-feira, 23 de outubro de 2012

A bandeira - parte 1

Cheguei a Turim para o ensaio da cerimônia de abertura do Terra Madre. Fui convocada para portar uma bandeira. Não tinha nenhuma idéia do que seria e que bandeira seria, mas agora caiu a ficha.

O negócio é como uma olimpíada, entra a bandeira de cada país participante, junto com um representante da nação. O que me parecia uma presepada se tornou uma emoção. E olha que hoje foi só o ensaio e já fiquei arrepiada. São quase 140 países, todo o mundo ali junto, discutindo e mostrando sua alimentação, seus valores, aquilo que guardam como uma herança da sua história.

A briga agora é pela bandeira ;)

Pelo jeito sou a única estrangeira no grupo, e claro, nesta hora o amor à pátria vem com força total e eu tô louca pra portar a bandeira das terras tupiniquins. Mas...não se pode escolher! Começo a pensar nas minhas melhores caras de piedade e misericórdia para propor uma troca caso o destino me dê outra das 140 bandeiras presentes. Por favor torçam por mim, aceito inclusive velas e benzedeiras. O Brasil é queridinho por aqui, é umas das bandeiras disputadas...

Mas já começo a aceitar segundas opções. Já viu a bandeira de Butão como é bonita?

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Terra Madre, aí vou eu!


Quem tá me acompanhando nessa epopeia por terras italianas (será que tem alguém aí?) já deve ter percebido que alguma coisa mudou no ritmo da comunicação. É que meu ritmo interno mudou. Tenho agora poucos dias de Itália – e depois 4 em Portugal, antes de voltar para o Brasil e já me sinto “arrumando as malas”.  Pra completar hoje estou despedindo do Pietro, de Certaldo, dos dias maravilhosos que tive nesta fazenda. Entre tantas idas e vindas aqui se tornou minha casa, o lugar que voltava pra dormir bem, contar as histórias, andar de motorino pela Toscana, estar com este pai-emprestado-da-aurora que virou um pai-de-verdade-italiano.



Os preparativos agora são para o Terra Madre, o maior evento do mundo slow food, que acontece esta semana em Turim. A boa nova é que vou participar como voluntária. Proporcionalmente é como um apaixonado por futebol trabalhar como gandula na Copa do Mundo. Não importa o tanto que eu tenha que correr, eu tô ali, nos bastidores. A dificuldade é que devo estar lá antes, pensar nos eventos que quero participar, cursos, me concentrar. E concentrar tá difícil neste momento...

Mas como não trabalho todo o tempo, sobra um pouquinho para ver o Terra Madre que este ano acontece junto com o Salone del Gusto. Ainda não consigo ter claro a diferença entre os dois eventos, mas essa informação é repetida tantas vezes em todo material do evento que assim que entender melhor, compartilho! O que sei é que estão fazendo uma horta de 400 m2 dentro do espaço para mostrar o projeto 1000 hortas na áfrica. E posso dizer que 400 m2 de horta não é pouca coisa não. Que no dia da abertura trabalho como porta bandeira, mas não faço a menor ideia que bandeira seja, do quê ou de onde. E que claro, seria lindo se fosse uma bandeira do Brasil (mas também estaria contente com uma bandeira de um país da África ou Ásia). Que tem uma delegação tupiniquim, que entre outros assuntos participará do simpósio sobre queijos artesanais feitos com leite cru, ainda que este não seja o nome oficial do simpósio.

Dá pra ver que sei tudo e nada. E é assim que quero ir pro Terra Madre com uma noção do que acontece, mas principalmente com muita disposição de descobrir. É quase a apoteose dessa viagem, tudo-ao-mesmo-tempo-e-junto!

Por isso pra quem ainda está aí, um pouquinho de paciência com o novo ritmo. Deixo abaixo uma receita do site do Terra Madre, pra ir dando o gostinho dos dias que virão!

Cozinhando sem desperdício: Timpano Napolitano

Uma massa clássica do sul da Itália será a estrela da oficina Cozinhando com Sobras (Cooking with Waste) “Massas recheadas e Timballi” do Salone del Gusto e Terra Madre em outubro. O chef napolitano Antonio Tubelli ensinará a sua receita de timpano, o típico prato feito de camadas de massa, carne e queijo, cuja origem é o aproveitamento das sobras do almoço de domingo. 

Antonio explica: “Tradicionalmente, o ragu, que é um molho de carne, tinha vida longa. A panela ficava fervendo no fogão no sábado à noite e na mesma noite ou no domingo de manhã, a família costumava molhar pedaços de pão no molho. Uma grande quantidade de massa era feita para comer com o molho no almoço de domingo. Na segunda-feira, o que sobrava da massa e do molho era usado para preparar o timpano, com a adição de um pouco de mozzarella.” 

As variações deste prato são tantas quanto são os chefs e não existe uma receita “oficial”. Tradicionalmente, é feito numa caçarola esmaltada, mas uma forma de bolo grande e funda também serve. Pode-se adicionar uma grande variedade de ingredientes, como ervilhas, pequenas almôndegas e ovos cozidos. A beleza de cozinhar sem desperdício está nisso – adaptar a sua receita ao que há na sua dispensa. Bom apetite! 

“Timpano” Napolitano 

Serve 6-8 

6 kg de tomates San Marzano maduros, para o molho 
8 colheres de sopa de azeite de oliva extravirgem 
sal a gosto 
300 g de carne de porco 
300 g de costelinhas de porco
300 g de carne de vitela
2 cebolas médias picadas 
2 colheres de sopa de extrato de tomate ou de pimentão vermelho
200 ml de vinho tinto
Um punhado grande de folhas de manjericão
1 kg de ziti (massa em tubinhos) 
50 g de manteiga
3 colheres de sopa de farinha de rosca 
500 g de mozzarella fresca cortada em cubinhos
250 g de queijo parmesão ralado


Comece preparando o molho de tomate – um simples purê de tomates. Aqueça duas colheres de azeite de oliva, adicione os tomates cortados em pedacinhos, uma pitada de sal e cozinhe até que fiquem macios. Bata no liquidificador, passe o molho na peneira e reserve. 

Para fazer o tradicional ragu napolitano (molho de carne), doure a carne cortada em pedaços grandes em seis colheres de azeite de oliva. Adicione a cebola e o extrato de tomate ou pimentão e, em seguida, o molho de tomates, o vinho e o manjericão. Começa, então, o lento processo de cozimento: deixe cozinhar em fogo brando, com a panela tampada, durante algumas horas, adicionando um pouco de água se começar a secar – deixe o molho reduzir até ficar cremoso. 

Depois disso, cozinhe os ziti numa panela grande com água fervente até que fiquem al dente. Depois de escorrer a massa, adicione o ragu, separando os pedaços de carne grandes. 

Para preparar o timpano, preaqueça o forno a 180ºC e unte uma forma ou caçarola funda de 26 cm de diâmetro com manteiga e polvilhe com a farinha de rosca. Espalhe metade da massa no fundo da forma e cubra com os pedaços de carne do ragu – que estarão desmanchados - e a mozzarella em cubinhos. Cubra com o resto dos ziti e finalize com uma camada generosa de queijo parmesão. Asse no forno por 15/20 minutos. 

Desenforme o timpano num prato grande e sirva quente. 





Clique aqui para visitar o website do Salone del Gusto e Terra Madre




sábado, 20 de outubro de 2012

Outono


E se você dormisse? E se você sonhasse? E, se em seu sonho, você fosse ao paraíso e lá colhesse uma flor bela e estranha? E se ao despertar você tivesse a flor entre as mãos? Ah, e então?’

Novalis





Faz um mês começou a aparecer estas florzinhas amarelas por todo canto, na beira das estradas, jardins, até no estacionamento do supermercado eu vi. Mudou a estação e a natureza avisou...




As parreiras agora sem uva ganharam um outro tom e uma terra coberta de verde e florzinhas brancas...


As olivas já estão amadurecendo...


As sementes de erva doce selvagem secam ao sol, na beira da estrada.

Adoro mudança de estação, adoro mudar com a mudança...




terça-feira, 16 de outubro de 2012

Insensatez

Leone, um menino encantador de 12 anos, me pergunta no meio do jantar com toda a família:

- O quê quer dizer "ai se eu te pego"?
- ...

                                                                   xxx

Esta semana trabalhei no Majnoni embotilhando vinho - que pra mim tem sabor de fechando um ciclo. Meu colega de trabalho, um albanês chamado Shuani, me pergunta:

- O quê quer dizer "perere pepê" em português?

Disse a verdade que não significava nada, assim como toda a letra da música de Gustavo Lima (e você), que faz o maior sucesso aqui.

No outro dia uma nova pergunta:

- E shimbalaiê?
- Pensei seriamente em inventar um significado. Quem sabe é o barulho do mar e eu não sabia? Mas me rendi à verdade.
- É um som, sem significado.

                                                              xxx

O outro lado do disco é que na revista do slow food do mês passado tinha uma reportagem sobre o RIO +20 e no final uma página sobre a nova e boa música brasileira. E tava lá, entre Karina Bhur, Siba e Mallu Magalhães os queridíssimos do Graveola e o Lixo Polifônico! Como fico feliz quando vejo o sucesso deles! Pra mim são primos!


Minha música preferida. Dá pra falar e pensar certas coisas de outra forma, num é não?

domingo, 14 de outubro de 2012

Oba, sorvete!

Meu primeiro sorvete na Itália foi de pistache, posso lembrar do sabor como se fosse hoje, com Beto, Fer e família numa cidade vizinha a Turim. Naquele momento pensei que todo sorvete aqui seria assim, dos deuses. Mas claro que não funciona desse jeito romântico. Encontrei muitos sorvetes bons, mas também muitos "meia boca", com isso fui aprendendo, fazendo uma seleção na cabeça. Até chegar o momento em que este era meu assunto preferido e comecei a escutar histórias de sorvetes e sorveteiros, da fabricação e do consumo. Foi mágico porque quando escrevi da Dona Maria, tudo e todos à minha volta chegavam com alguma história nova sobre sorvetes. Sabe quando a gente nunca ouviu uma palavra e uma hora conhece e depois disso começa a ouvir todo o tempo? Pois é, foi assim.

Não é um super guia, mas é um resumo de como fui me virando pra encontrar os bons sorvetes por aqui...

1 - Primeira coisa é saber se é artesanal ou industrializado. Geralmente tem alguma plaquetinha ou placona dizendo. Faz toda a diferença, separa o joio do trigo.

2 - Na dúvida, olhe o sorvete de pistache. A cor diz tudo, qualquer tom de verde que não lembre aquela bela cor verde escura do pistache, já me faz desistir da sorveteria. Pistache é um ícone, precisa ser bem representado.

3 - Sorvete bom é sorvete novo, dura 3 dias no máximo. A cultura do fresco é que tenho mais sentido que falta no Brasil. Ricota velha, mussarela velha, farinha de trigo, sorvete, tudo sem este frescor, que faz toda a diferença.

4 - O tempo da sorveteria diz alguma coisa, um negócio que tá ali há mais de 20 anos merece algum crédito e provavelmente tem prática. Geralmente vem escrito em algum lugar a data de fundação quando isto pode ser parte do marketing...

4 - Na dúvida sorveteria famosa. Claro que é bom descobrir aquela portinha de sorvete artesanal antiga, melhor ainda se tem um velhinho que serve o sorvete, mas até o olho apurar e a língua entender o idioma, eu apostei nas sorveterias "slow food" grandes.

Grom, é a primeira, vai bem sempre, você encontra em toda cidade grande/turística italiana. Tem o sabor do mês, com a fruta da estação e todos os produtos são de boa origem. Tanto os  cremosos, como avelã (nocciola) ou creme (panna) são bons, como os de fruta. Destaque para o de melão no verão...

La Strega Nocciola em Florença me fez esperar meia hora para ser aberta, correndo risco de perder o trem para Certaldo por conta de um sorvete de lavanda. Sonhei com este sorvete vários dias, e quando voltava "pra casa" tive que ir lá tomar mais um...

A Venchi que faz um chocolate tradicional tem também umas sorveterias espalhadas pela Itália, na estação de Milão tomei um sorvete de chocolate "fondente" inesquecível. Na parede vem dizendo que não usam aditivos, conservantes, aromas artificiais, etc. Faz parte deste modelito slow food que funciona muito bem por aqui. Eu agradeço!

5 - Por último prefiro sempre o sabor que tem a ver com o lugar. Mesmo que não necessariamente a massa do sorvete seja feita ali, mas acho que dá o clima comer algo do local, é uma forma de começar a conhecer. Por exemplo na Sicília sorvete de pistache ou de limão, Piemonte avelã, granita de melancia em Salento...

em Sicília sorvete no brioche é tradicional


O quê? Os sabores exóticos? Pois é, apesar de ser fã dos sorvetes tradicionais, claro que experimentei um bucado de novos sabores. E posso dizer que não lembro de nenhum que não fosse bom. Os melhores talvez sejam um de caramelo com sal grosso numa sorveteria pequenininha de Florença, outro de nozes com basílico em Roma e neste mesmo lugar um de abóbora, que tinha sabor de doce mineiro pouco doce...

O melhor sorvete de todos?
Em Cefalù, uma pequena cidade na Sicília, primeiro tomei uma granita que não era boa e era cara no café chique vizinho à catedral, depois desci uma rua estreita e tava lá, literalmente uma portinha com um balcão na frente e dentro uma moça simpática que me deixou experimentar metade dos sabores que tinha. Por sorte tenho até a foto do sorvete de pistache e de creme dentro do brioche, para não esquecer mais. A verdade é que na Sicília tem bons sorvetes e mais, tem a granita, aquele sorvete feito com gelo triturado e suco de fruta! Uma experiência à parte dos sorvetes. A mais gostosa, porque também alimenta os olhos, é aquela feita na rua, num carrinho de granita, com um bloco de gelo que o vendedor raspa, raspa e coloca no copo, por cima o xarope da fruta, feito por ele, é claro.


a granita "raspada" em Palermo

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Cittàslow


Antes de vir para a Itália, um dia recebi do meu tio Maurício, um email com o assunto: cittaslow. Era uma reportagem de uma revista on line que se chama Business do Bem. Trata de um movimento nascido numa pequena cidade italiana, inspirado no slow food. Na época li, mas não tinha guardado bem onde era, estes dias resolvi reler e quem sabe procurar esta cidade. E para minha alegria era Greve, uma cidade toscana que já conhecia, vizinha à fazenda Le Fornaci. Estes dias estive na região de novo e descobri mais um título que a cidade orgulhosamente exibe: OGM's free (nada de transgênicos por aqui). Só aumentou minha alegria de estar neste lugar especial, onde fiz amigos que levo no coração e claro, espero no Brasil!
Abaixo um trecho da matéria do Business do Bem, quem quiser vê-la inteira é só clicar aqui
"Greve in Chianti é uma pequena comunidade de menos de 15.000 habitantes a 30 quilômetros de Florença, no coração da Toscana. Provavelmente existe antes dos etruscos e dos romanos dominarem a área; os registros mais antigos são do século XI. A economia local está baseada na exportação de óleo de oliva extra virgem e vinhos chiantis e super-toscanos e importação de turistas. A cidade abriga atrações como a Igreja Santa Croce (século XI), uma casa que foi de Américo Vespúcio, um mosteiro Franciscano do século XIV e o castelo de Verrazzano construído pelos Lombardos no século XIII, entre outras obras. Atraídos pela beleza e charme da região e por festivais de vinho, festa das flores, feiras de antiguidades e uma feira semanal de produtos típicos na Piazza Matteotti, a principal da cidade, os turistas que visitam Greve in Chianti podem se deliciar com uma gastronomia de alta qualidade que inclui trufas, porcos Cinta Senese e veados selvagens – todos de produção local.
Por todas estas razões, ter uma propriedade na região se tornou o objeto do desejo de bem resolvidos e ricos do mundo inteiro que compram propriedades idílicas como as famosas vilas toscanas, pequenos castelos e propriedades rurais centenárias com áreas de produção de azeite e vinho. Compram e não podem modificar um único tijolo. Em 2010 a revista norte-americana Forbes a nomeou a primeira da lista de “Europe’s Most Idyllic Places To Live.”
Mas Greve in Chianti prospera de um jeito diferente, controlado. Nos anos 80 a cidade já começava a ter problemas de perda de identidade por causa do volume de turistas. Como enfrentar o desafio de atender turistas em maior volume do que podia sem se descaracterizar? A solução convencional no turismo nestes casos é buscar a qualidade, mas a comunidade já oferecia isto. Foi quando o então prefeito Paolo Saturnini propôs uma idéia simples: a associação do conceito de “slow food” para a cidade inteira, um conceito que se materializou no Movimento Cittaslow.
O Movimento Cittaslow (Cidadades Lentas), a mais revolucionária proposta de desenvolvimento urbano sustentável, nasceu numa mesa de bar. Mais específicamente, na mesa de um restaurante de Greve in Chianti, na qual o então prefeito Paolo Saturnini almoçava com amigos. O ano era 1999 e a idéia surgiu como uma solução simples para um problema que todas as comunidades enfrentam – conciliar desenvolvimento com qualidade de vida. Hoje, menos de 13 anos depois, já está sendo aplicado em cerca de 150 cidades de 25 países.
O Movimento Cittaslow propõe a melhora da qualidade de vida dos cidadãos a partir de propostas vinculadas ao território, ao meio ambiente, ao respeito cultural e ao uso de novas tecnologias usando como “arma” o protagonismo comunitário. Simples na concepção, nasceu inspirada no Movimento Slow Food e se propaga em cidades pequenas, evitando que cometam os mesmos erros das cidades que crescem sem controle. Como diz Saturnini, cidades pequenas devem preservar; cidades grandes precisam revolucionar – e não sabem como. O Brasil tem 5.017 municípios com menos de 50.000 habitantes e pode criar centenas de Cidades Lentas salvando do caos urbano 65,2 milhões de brasileiros. Esta reportagem procura mostrar o caminho. Para saber mais acesse http://www.cittaslow.org
Rogério Ruschel – rogerio@ruscheleassociados.com.br – é jornalista especializado e editor da revista eletrônica “Business do Bem – Economia, Negócios e Sustentabilidade”.

Tudo de bom né? Eu fico sonhando com uma Entre Rios sem OGM's...

uma vista do Chianti, região onde está Greve

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Lasanha ao ragu caprino

Cheguei em Le Fornaci e a primeira coisa que Michele me contou foi dos wwoofers cuocchi (cozinheiros). São dois australianos que trabalham em Londres e estão fazendo uma experiência pela Itália. Caíram no lugar certo, a comida aqui é assunto e prazer diários. Michele é um super cuocco e agora está se esbaldando com os "novos mestres" wwoofers.

O assunto do dia era a lasanha ao ragu caprino. Aliás desde ontem que é este o assunto. Fiquei pensando como a lasanha tem uma imagem degredada no Brasil, ao menos pra mim. Penso sempre naquelas congeladas que comia na época da faculdade ou quando muito numa feita com pasta fresca, molho de tomate pomarola, molho branco e mussarela. Mas sempre modelo de comida rápida, com ingredientes que já são meio prontos.

Mas a lasanha é daquelas comidas que precisam de tempo para serem feitas, nada de correria. Aqui começou na véspera com a preparação do ragu. A carne de cabra picada em pedaços não muito pequenos foi literalmente fritada (sem óleo) numa frigideira. O objetivo? Selar a carne para manter todo o sabor. Depois de feito isso ela foi adicionada ao molho de tomate, mas molho com letra maiúscula com tudo que tem direito: cebola, cenoura, salsão, tomate, louro, pimenta e não caiam da cadeira, leite. Pois é, descobri que o leite é clássico no molho a bolonhesa para cortar a acidez do tomate. Pois esse molho cozinhou horas no fogo baixo, acho que para ser mais perfeito só se fosse no fogão a lenha.

Hoje pela manhã, a preparação da massa. Que fresca tem outro sabor, ainda mais se for feita em casa. Ver a massa passando pelo cilindro uma, duas, três vezes aumenta o prazer ao comê-la. E aqui também tem um segredo de cuocco, a massa fresca quando montada recebe uns pequenos furinhos com um garfo para absorver melhor o molho e o sabor!

dá pra ver como os dois molhos já são misturados? e pouco aquosos.


O molho que hoje era grosso, foi finalmente picado com uma faca para uniformizar os pedaços de carne. Molho bechamel pronto, hora de montar a lasanha e aqui um segredo de cuocco. A primeira camada de massa recebe uma água quente no escorredor de macarrão, isso para que ela não grude no fundo ou se resseque demais. Depois camadas de molho bolonhesa, molho branco, parmesão ralado, massa de lasanha. O wwofer mandava Michele espalhar bem o ragu e depois misturar um pouco com o molho branco, tudo com a mão é claro! Por cima de tudo mussarela despedaçada.

Segundo o wwoofer cuocco a lasanha tradicional não pode se desmanchar quando servida, isso mostra excesso de água nos molhos. Deve ficar firme no prato e mole por dentro. Em Bologna se a lasanha se desmancha dizem que a criança chora...

a melhor lasanha que já comi, que não desmanchava no prato e atrás pão de queijo de cabra! sucesso total!

domingo, 7 de outubro de 2012

Leite cru e slow food


Já que o assunto da vez é queijos tradicionais, transcrevo aqui um pedaço da fala de Piero Sardo, presidente da Fundação Slow Food para a Biodiversidade, sobre o leite cru. A fala inteira está disponível no site do Slow Food Brasil , escrita para o I Encontro Nacional do Grupo de Trabalho do Slow Food Brasil sobre Queijos Artesanais e do I Simpósio de Queijos Artesanais do Brasil, realizados em Fortaleza, em novembro de 2011. O assunto será aprofundado no Terra Madre, com a conferência sobre Leite Cru nos Trópicos, e a participação de produtores brasileiros de queijo artesanal.



...Mas então surge, uma pergunta, absolutamente espontânea: qual a razão desta atitude criminalizante em relação ao leite cru? Porque há uma atitude diferente em relação ao sushi, às ostras, ou às carnes que se comem cruas? Porque este afinco – pois sim, é um verdadeiro afinco – contra o leite cru. Porque por trás há interesses enormes. Há as grandes empresas, as grandes multinacionais que querem ter a liberdade de comprar o leite onde mais lhe convém – onde o preço for mais baixo – e querem processá-lo com métodos que nada têm a ver com os métodos artesanais, naturais, bons. Estes lobbies, presentes em qualquer lugar, pressionam os governos, em nome da segurança alimentar, que parece ser um tema que assusta, que alerta o consumidor. Pois bem, chegou a hora de dizer com clareza que o tema da segurança alimentar em relação ao leite cru é um espantalho, exagerado e, em alguns casos, até falso. Pois a questão não é apenas o processamento do leite cru, o problema verdadeiro é que o leite de origem, o leite com o qual se produz o queijo, deve ser um leite de qualidade. É isto que as instituições devem garantir. Devem garantir que os animais sejam sadios, que não tenham doenças como tuberculose ou brucelose, e que os métodos de produção respeitem a higiene necessária. E que nós, no Slow Food, sempre defendemos a higiene. 

Mas se o leite for de qualidade, se os animais forem sadios, se os procedimentos previstos são cumpridos, a produção do queijo a partir do leite cru é a única forma de garantir a excelência, a única forma de garantir a biodiversidade.
E isto tudo é ignorado, como se não houvesse diferença nenhuma entre a produção com leite pasteurizado e com leite cru.

Pois bem, é preciso repetir com clareza que a única forma de produzir qualidade, qualidade de alto nível, é a partir do leite cru. Independentemente do bom. Porque o consumidor poderia dizer: “a segurança de um lado, o bom do outro. Pois talvez eu prefira comer produtos um pouco mais padronizados, mas ficar mais tranquilo”. Eu acho que a aposta é muito alta, aqui estamos discutindo um conceito de liberdade de escolha. Isto é: o consumidor deve ter a liberdade de escolher o que ele quer comer. O rótulo deve declarar de forma clara se o queijo é produzido com leite cru ou com leite pasteurizado. Se foram utilizados fermentos industriais ou não, e uma vez que o rótulo conter estas informações, o consumidor deverá ter o direito de escolher. O “DIREITO”. E ele vai escolher o leite cru, porque é uma forma de garantir uma boa refeição, um bom queijo, uma boa qualidade organoléptica.

E não é apenas isto: o tema da liberdade é fundamental. Por isto peço seu apoio, peço que aprofundem estas informações.
Mas há também o tema da biodiversidade, como estava dizendo agora há pouco: quando se destrói toda a flora bacteriana presente num determinado lugar e num determinado leite, se está produzindo uma seleção violenta da biodiversidade. Uma biodiversidade microbiana, que não se enxerga, e que por isto desperta menos a emoção. Mas se trata de uma biodiversidade: qualquer lugar de produção, qualquer fábrica de queijo tem sua própria biodiversidade. Se a gente a destruir em nome de uma declarada segurança alimentar, para inserir uma única bactéria selecionada, quase sempre produzida industrialmente, a gente estará atuando uma seleção violenta desta biodiversidade que, infelizmente, não se vê. Como também não se vê a situação de nossos oceanos. Porque que o nosso oceano é tão penalizado em relação a outras situações de biodiversidade, como a floresta, as áreas lacustres, ou os animais em vias de extinção? Porque, infelizmente, debaixo d’água não conseguimos enxergar o desastre que está sendo cometido. E a mesma coisa acontece com as pequenas microfloras locais, com o conjunto de bactérias que atuam na produção do queijo. Não se enxergam, e portanto podem ser tranquilamente destruídas, utilizando bactérias produzidas artificialmente...

Piero Sardo – Presidente da Fundação Slow Food para a Biodiversidade
Outubro/2011

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Casu Marzu: onde os fracos não têm vez

Comecemos com o vídeo abaixo, pra já dar uma noção do assunto e quem não tiver estômago forte já pode parar por aqui...



A primeira vez que ouvi falar do Casu Marzu foi no livro "1001 comidas para provar antes de morrer". Eu tinha um super preconceito com esta coleção. Falando sério, ninguém merece este título. Mas num desses chás de cadeira que quem compra passagem em promoção sempre leva em aeroporto, comecei a folhear o livro e me apaixonei. Comprei pouco tempo depois e descobri que é resultado de um trabalho muito bem feito, a curadoria é muito boa, o texto muito verdadeiro com descrições interessantes dos sabores e tradições de cada alimento, sei disso pela descrição de algumas frutas brasileiras, que estão bem representadas.

Enfim, tava lá o Casu Marzu. O autor já avisava: estômagos fracos deviam pular aquela página. É resultado de um queijo comido por vermes. É nojento, eu sei, mas é uma iguaria. Também é um pouco hipócrita se a gente pensar que comemos tantos outros com fungos e bactérias, seres vivos "invisíveis" e por isso menos nojento...Importante dizer que não é qualquer mosca, como aquela perigosa da carne de porco. É uma mosca especial, Casei Piophila, uma mosca-do-queijo, como é conhecido este grupo de insetos.

É um queijo de ovelha que quando pronto é levado para uma fase de cura geralmente em cavernas ou construções que lembram uma caverna. Tudo isso na Sardenha, aquela ilha simpática italiana. A Casei Piophila bota seus ovos que viram larvas que vão transformando a massa dura da parte interna do queijo em um creme. Quando o número de vermes diminui e o queijo está quase estourando (por fora ainda é duro) é hora de comer.

Faz parte hoje dos produtos agroalimentares tradicionais italianos, que têm uma permissão diferente para produção, pois dentro das regras de vigilância sanitária da Comunidade Européia, o Casu Marzu é banidíssimo, pode ser considerado o bandido chefe do grupo. Ainda não é claro para mim qual pode ser vendido, pelo que me disseram é uma versão mais branda, sem vermes, feita com vermes controlados. Porque existem duas versões, a super fresca com vermes se mexendo, ou a versão com eles já retirados do queijo. Por sorte ganhei a segunda, mais fácil para uma primeira experiência.

Emanuele, meu amigo, é neto de sardos, seu avô era um famoso e importante mandolinista italiano. Ou seja tocava o mandolim, um instrumento como um bandolim, típico italiano. Emanuele seguiu o mesmo caminho e é bravissimo músico. Talvez por viver tão perto da tradição musical da Itália, se encantou com minha busca pela tradições alimentares. Toda oportunidade que ele tem me apresenta um alimento ou prato típico italiano. Assim, chegou às minhas mãos, um potinho, tipo de margarina, com dentro uma pasta branca, grossa, de casu marzu.

O que posso dizer? O primeiro pedaço comi sozinha, com pressa de experimentar, em pé na cozinha com um pedaço de pão. Não foi grande coisa, deu pra sentir o sabor, forte e muito salgado. Mas esta experiência tem a ver com tradição, história, cena típica italiana: mesa com toalha xadrez, vinho tinto, muita conversa e comida! Assim a segunda vez fiz direito: como entrada, na mesa posta, com Emanuele e uma boa garrafa de vinho. Assim sim. O sabor picante, salgado e um pouco amargo foi descoberto em todos os cantos da boca, perfeito com um gole de vinho. Vale a experiência!

Me fez lembrar meu poema preferido do Drummond, reza a lenda que ele chegou tarde em Ouro Preto, naquele que hoje é o hotel mais antigo da cidade: Tóffolo, e não havia mais jantar. O poema tá abaixo, fala do que me parece sempre a coisa mais bela do comer: estar junto na mesa ou na cozinha, comer com o coração, com a alegria de compartilhar!


Hotel Tóffolo

E vieram dizer-nos que não havia jantar.
Como se não houvesse outras fomes
e outros alimentos.


Como se a cidade não nos servisse o seu pão
de nuvens.


Não, hoteleiro, nosso repasto é interior
e só pretendemos a mesa.

Comeríamos a mesa, se no-lo ordenassem as Escrituras.
Tudo se come, tudo se comunica,
tudo, no coração, é ceia.


Carlos Drummond


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Meu manifesto do pão!

Eu sei o que quero:

pão assado no forno à lenha.
feito à mão.
com farinha orgânica integral,
moída em moinho de pedra.
com fermento natural (pasta madre),
o mesmo fermento natural envelhecido a 15 anos,
que fermenta lentamente.
feito com sal marinho natural,
sem aditivos, seco ao sol.
todo dia um pão novo...

Esse é meu manifesto pessoal.

achei meu manifesto escrito no cestinho de pão do Eataly

terça-feira, 2 de outubro de 2012

José, Pedro e Mateus

o aquário dos meus sonhos


Ei meninos, como vocês estão?

Eu estou morrendo de saudades. Sabiam que esta palavra, saudade, não existe em italiano? E dizem que em nenhuma outra língua. Só em português. Eu bem que tento explicar o que quer dizer, mas a palavra mais perto que os italianos conhecem é melancolia, que para mim é muito triste. Não serve. A saudade que eu sinto de vocês é alegre. Muito alegre. Vocês têm alguma sugestão de como eu posso explicar pra eles?

José, estava doida pra te contar que fui a Pisa. Mas não fui tão animada como você não. Não subi na torre. Como é lá em cima? Vale a pena? Além da canseira da subida, ainda tinha uma fila. Acabei desistindo.

Bom estou escrevendo para vocês para contar de um lugar muito massa que fui ontem e que pensei demais em vocês. Fica em Gênova. Um aquário. Pra dizer a verdade, um super e incrível aquário. Nem sei por onde começar. Mas é mais ou menos assim:

Do lado de fora tinha um imenso navio velho, como dos Piratas do Caribe , Gênova é a cidade de Cristovão Colombo, e tem um dos portos mais importantes da história. Depois o visitante entra numa enorme construção que vai se estendendo sobre o mar. Logo no começo tem uns aquários gigantes, primeiro só com tubarão, depois só com leão marinho, outro só com golfinho. E você olha de frente para aqueles peixes enormes. Eles parecem que dançam. Teve uma garota que estava sentada esperando para ver os tubarões e, de repente, quando veio um, ela levou tanto susto que deu um baita grito. Foi muito engraçado, porque não tem perigo nenhum, mas você fica muito pertinho deles. Até aquele tubarão com uma serra eu vi.

Depois tem uns aquários menores, com peixes de todas as cores, desenhos, formatos. Tinha um que parecia um desenho de um labirinto, lindo demais. Não tem nem como descrever, precisa ver!

Má, tinha um só de peixes do Procurando Nemo. Minha cara, né? Aquele tanto de peixe palhaço, abanando a cauda nas vegetações do mar. Preciso dizer que fiquei com vontade de ver pela vigésima vez o filme. Quando eu for aí em Indaiá vamos assistir? Por favor! A Dori era linda.

Tinha uma parte dedicada só aos seres da água dos rios da amazônia. Piranha, jacaré, pacu. Descobri uma coisa incrível. O jacaré bota o ovo e a temperatura aonde aquele ovo ficar, vai determinar se é macho ou fêmea. Vocês já tinham ouvido isso? Eu não.

Numa outra parte tinha uma estufa para imitar um clima tropical, era um local dedicado às borboletas e beija-flores. Esta parte era meio sem graça. Na fazenda tem mais variedades do que eu vi aqui. E descobri outra coisa: Beija-Flor só tem na América. Já pensaram que triste a vida sem conhecer o passarinho mais espalhafatoso que existe? O único que fica parado no ar.

Outra coisa linda e impressionante eram as águas vivas ou medusas. Tinha um aquário para cada fase de desenvolvimento delas. Começava bem pequeno, quase não dava pra ver. Depois um pouco maior, um pouco mais e depois já grande, uma parte brilhando e outra transparente. Maravilhoso. Será que pode ter um aquário em casa só com água viva?

Tem muita coisa linda neste lugar, eu não teria palavras para contar tudo. Fiquei pensando que preciso voltar uma outra vez. Vocês vêm junto? Que tal?

tem esta piscina cheia de arraias que você pode passar a mão, elas vêm pertinho...