sexta-feira, 26 de outubro de 2012

No centro da roda o alimento



Pokot é uma tribo africana no Kênia. É uma das 54 tribos oficiais do país. São por natureza pastores. Por isso mesmo não necessitam de casas duráveis e fixas. Constroem com materiais disponíveis da natureza e estão em constante contato com os animais. Vacas, cabras, galinhas, tudo ali em volta de casa. Têm na base da alimentação o leite, mais especificamente o iogurte. Mas não um simples iogurte como conhecemos, mas um produto especial, que beira na sua produção o ritualístico. Por isso mesmo está sendo resgatado como cultura dessa população. Começa com a produção de uma cinza de uma madeira específica. Uma árvore nativa. Um pouco desta cinza vai dentro de uma cabaça comprida e é ali mesmo que se vai tirar o leite. Ou no máximo numa vasilha de barro. O melhor é direto da teta da vaca pra cabaça. Depois é esperar 2 ou 3 dias até o iogurte "virar". A consistência e o sabor são únicos. A cor também. Uma experiência que precisa ser vivida para ser entendida.

Gianni é um jovem italiano apaixonado com plantas, horta, todo o mundo da botânica. Conhece tanto do assunto que alguns anos atrás começou um blog, com dicas e espaço para troca de experiências. Daí veio a idéia de criar um site interativo para os iniciantes (e também os experientes) no mundo do cultivo. O Grow the Planet é o facebook do mundo orgânico! É super simples, você se cadastra e depois com seu login e senha começa a interagir. A interface é simples, accessível, bonita. Começa escolhendo onde será sua horta, na terra ou no vaso, num terraço ou num terreno e por aí vai. Depois você escolhe as variedades, vem separado por estação, e se num tá na hora daquela abobrinha que você tá sonhando em ter em casa o site te avisa. Mas você tem sempre o direito de ser cabeça dura e tentar, quem sabe não funciona...Depois que a semente já na terra começa o diário de cuidados, é só seguir as dicas e na dúvida escreva seus problemas, outros internautas podem te ajudar! É genial, tá tudo ali, desde onde encontrar as sementes até as receitas que você pode fazer. E a construção é conjunta e participativa. Gianni disse que a novidade será a versão em português.

Regina é daquelas cariocas "arretadas", nascida e criada na favela do Leme, trabalha nas redondezas como empregada doméstica. Tinha vontade de fazer alguma coisa pela sua comunidade. Juntou sua mão boa de cozinheira com a necessidade de se aproveitar melhor os alimentos e criou o projeto Favela Orgânica. Lá eles fazem o ciclo completo da comida: da horta ao composto, passando pelas receitas que utilizam os alimentos integralmente. Cascas de frutas e verduras, talos e partes que geralmente são descartadas na cozinha viram receitas pra lá de especiais nas mãos dessa moça. A alegria de Regina contamina, impossível ficar sério ou mal humorado perto de uma estrela que brilha assim, sem pretensões, só pelo prazer da vida. Fez mais amigos que qualquer outro. Em volta ao stand de sorvete italiano aglomerado de gente ela chega de fininho, chama o dono no canto começa a conversar e depois diz: minha amiga queria provar o sorvete! Menos de dois minutos depois estávamos com sorvete na mão, nada de bola tamanho degustação, potinho cheio, de quem tem moral. Ficou conhecida em toda a Terra Madre e reza a lenda que Carlo Petrini queria trazer ela para a Itália.

Ruslan é um dos produtores do queijo armênio tradicional conhecido como Mota. O menor país da ex União Soviética tem grande parte do seu território acima dos 1.000 metros de altitude, pastoreando criadores e cabras podem chegar a 3000 m. O queijo é feito de forma tradicional, quase primitiva. O leite não é nem aquecido, acabou de tirar, ainda morno, é colocado para coalhar. Todo o processo da produção do queijo dura em torno de 40 dias e depois disso ele é posto dentro de um recipiente de barro para ser conservado. Esta embalagem é das mais antigas existentes, usar a ânfora para guardar alimentos remonta a muito antes dos romanos, é a tradição atravessando séculos. Ela deve primeiro ser queimada e dentro ser untada com manteiga azeda. Pronto, depois do queijo ali dentro o negócio é fechar e pra isso cera de abelha. A produção é pequena, quase só para o consumo das famílias e assim será guardado por até 6 meses, no inverno, quando as cabras estão prenhas e não têm mais leite. Ganhou o prêmio Slow Pack para "Técnica de Embalagem Tradicional", por associar uma ideia antiga de conservação com uma embalagem prática e funcional. Enquanto outros vencedores eram representados por gerentes comerciais engravatados e com discursos prontos, Ruslan foi lá, agradeceu em armênio e com seu jeitão de produtor saiu de fininho...

No centro o alimento como protagonista e agregador de pessoas e culturas.

fotos do arquivo da Fundação Slow Food

obs: Regina Tchelly tá largando o emprego como empregada doméstica. Quer dedicar seu tempo ao projeto da Favela Orgânica. Se você quer ajudá-la ou quer convidá-la para um curso ou contratar um buffet ecológico, é só escrever pra: favelaorganica@gmail.com

2 comentários:

  1. Teresa, este seu relato descreve com graça o que Carlo Petrini defende no texto "A centralidade do alimento"..."Pela primeira vez, a composição do nosso Congresso evidencia uma verdadeira rede mundial, testemunhada não só pela quantidade de delegações presentes, mas também pela diversidade de culturas, crenças, histórias individuais e coletivas"

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  2. mas isso se podia sentir ali, era a volta ao mundo mais rápida que se pode fazer...

    confesso que já está me fazendo falta...

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